Profª: Rosilene Casabona Castanheira
1. FASE ANOBJETAL:
Ao nascer, a criança não é capaz de distinguir-se do mundo que a circunda. É a “fase anobjetal” de Spitz; do “narcisismo primário” de Freud ou da “indiferenciação” de Hartman. Passa dormindo, ou em semivigia, 9/10 partes do dia, estando a décima restante cheia de vida e atividade. Essa atividade, em sua maior parte constituída de reações negativas (exceção feita a ingestão de alimentos), mostra como a vida, nesses primeiros estágios é desagradável e estafante, e que leva o recém-nascido a buscar, na posição fetal (reflexo tônico-cervical) e no sono, a tranqüilidade, o “paraíso perdido” da vida intra-uterina. Para Spitz, ainda não possui ele a faculdade de percepção, representação ou volição, o que equivale a dizer que ainda não existe Ego ou Superego. Embora reaja a determinados estímulos, é incapaz de perceber seu caráter intrínseco ou extrínseco. Chora quando tem frio do mesmo modo que chora quando tem fome, sem nenhuma intenção real de comunicação. Não é ainda capaz de conferir ao objeto que alivia sua tensão o estatuto de objeto percebido.
Somente para o fim do segundo mês, e quando tem fome, pode reconhecer o sinal do alimento. Esta resposta deixa de se efetuar, se o recém-nascido está saciado. É o que Spitz chama “conduta de orientação”: A estimulação peri-bucal produz uma discreta rotação da cabeça para a fonte ddo estímulo, acompanhada de abertura da boca. Após o 3º mês, embora ainda na dependência de uma pulsão interoceptiva ou de uma necessidade insatisfeita, a criança pode responder a sinais de alimentação a partir de um estímulo à distância, como a presença da mãe na hora de mamar ou o barulho da mamadeira.
2. FASE DO OBJETO PRECURSOR:
Porém um fenômeno mais importante que também se observa a partir do 3º mês é a resposta do sorriso. A criança responde, deste modo, ao rosto humano que adquire um estatuto especial no seu mundo perceptivo. Tal resposta, no entanto, somente se observa se o rosto é apresentado de frente, fazendo certo movimento de inclinação pra diante e movendo os lábios. Trata-se mais da configuração perceptual, de uma gestalt apreendida em seus elementos superficiais desde que o rosto apresentado de perfil não produz a resposta, enquanto uma máscara, guardando os pré-requisitos citados, é capaz de produzi-la. Por esta razão éque Sptiz não fala em objeto mas em “objeto precursor” que relacionado à situação da alimentação associa a face materna ao contato da boca e à satisfação da necessidade. A presença do “sorriso” assinala que a criança atingiu a um nível que Spitz relaciona ao aparecimento do 1º organizador. Desse momento em diante um novo modo de ser, totalmente diferente do anterior, tem começo: a criança, afastando-se da percepção interior de suas vivências, aborda a percepção externa do ambiente que a cerca e põe as premissas necessárias de todas as suas relações sociais futuras.
3. CONSTITUIÇÃO DO OBJETO PARCIAL:
Nesta fase, o seio ainda não é percebido como objeto real da pulsão. Embora constitua o suporte das gratificações, é percebido através da boca e da mão. Uma relação significativa será então estabelecida entre o seio que satisfaz, a necessidade biológica e o rosto materno. É na reconstituição imaginária deste objeto parcial, enquanto suporte da gratificação ou da frustração que se estabelecem as primeiras relações objetais.
4. A FASE DO OBJETO PROPRIAMENTE DITO:
Segundo Spitz, a passagem do objeto “parcial” ao “total” marca uma outra fase na organização das relações de objeto. A partir do 6º mês de vida, a mãe será percebida como um objeto inteiro, independentemente das necessidades insatisfeitas. A percepção pura e simples do rosto materno é vivenciada agora como a continuação daquele estado de prazer (quiescência) experimentado anteriormente com o apaziguamento da forma. E só então que a criança passa a “estranhar” qualquer outro objeto que não seja a mãe; e esta discriminação nos mostra que ela estabeleceu uma verdadeira relação de objeto. Spitz considera essa recusa de contato com pessoas estranhas como o primeiro sinal de angústia real. É o que ele denomina angústia do 8º mês. A mãe, percebida como objeto inteiro, vai ser agora o depositário das pulsões libidinais e agressivas, conforme atenda ou frustre a criança, cujo ego é cada vez mais solicitado para manter o equílibrio nesse jogo de pulsões. É assim que além da maior ou menor força integradora do ego infantil, é o comportamento materno que vai permitir que a criança adquira a capacidade de suportar as frustrações e aceitar o princípio de realidade. Para Spitz, todos esses fenômenos imprimem um novo rumo na direção do desenvolvimento, razão por que fala aqui no aparecimento do 2º (elemento) organizador.
5. CARÊNCIA AFETIVA PARCIAL (DEPRESSÃO ANACLÍTICA):
Privado bruscamente da mãe após a fase do objeto propriamente dito, a criança apresenta pouco a pouco uma série de sintomas que segundo Spitz aparecem na seguinte ordem:
1º mês: a criança chora e se apega a quem lhe entra em contato;
2º mês: o choro se transforma em “chios” ou “guinchos”, há perda de peso e parada do desenvolvimento;
3º mês: o menor rechassa qualquer contato. Aparece a posição
patognomônica (deitado com a boca para baixo). Insônia. Queda da resistência às infecções e rigidez da expressão facial.
Depois do 3º mês se fixa a rigidez do rosto. O choro cessa e é transformado em gemidos estranhos. O retardo aumenta e se converte em letargia.
Se a mãe é restituída, ou se consegue uma mãe substituta aceitável, antes que ocorra um período crítico, situado entre o fim do 3º e 5º mês, os transtornos desaparecerão com surpreendente rapidez.
6. CARÊNCIA TOTAL:
Se a separação se efetua antes do estabelecimento da relação do “objeto propriamente dito”, a criança, além de passar rapidamente pelos estádios da privação parcial vistos anteriormente, apresenta um evidente retardo motor, uma manifesta passividade, coordenação ocular defeituosa, etc. O rendimento intelectual decresce a ponto de no 2º ano achar-se no nível da idiotia. Muitos, aos 4 anos, não andam ou mesmo não se põem de pé, e a mortalidade no primeiro ano de vida pode atingir proporções alarmantes.
7- TRANSTORNOS PSICOTÓXICOS:
Sob este rótulo Spitz estuda a relação entre determinados padrões de comportamento materno e certos quadros psicossomáticos observados na infância. No quadro abaixo podemos ver cada uma das atitudes maternas e dos sintomas com ela relacionados.
Transtornos psicotóxicos
ATITUDES MATERNAS | ENFERMIDADES DEL NINÕ |
1º Repulsa primaria ativa | Vômitos do recém nascido e enfermidades |
2º Repulsa primaria passiva | Coma do recém nascido (Ribble) |
3º solicitude primaria ansiosamente exagerada | Cólicas do primeiro trimestre |
4º Hostilidade disfrazada de angustia | Eccema infantil |
5º Oscilação rápida entre afeto e a hostilidade agressiva | Hipermotilidade |
6º Saltos de humor cíclico | Jogos fecales |
7ºHostilidade conscientemente compensada | Hipertímico agressivo de Bowlby |
Carência emocional
1º Privação emocional parcial | Depressão analítica |
2º Privação emocional total | Marasmo |
A descrição dessas três formas de perturbações estudadas por Spitz bastaria para ilustrar a importância das relações objetais no desenvolvimento da criança. No entanto não poderíamos deixar de mencionar aqui a contribuição de Melaine Klein no que tange a essas primeiras relações objetais.
8.CONTRIBUIÇÃO DE MELANIE KLEIN:
Para Melaine Klein não haveria aquele período de “indiferenciação” ou “anobjetal”. Desde o início da vida a criança já dispõe de um ego rudimentar que, através da rejeição do desprazer (projeção) e assimilação do prazer (introjeção), procura manter o “princípio da constância”. Como nesses primeiros estágios da vida predomina os desejos e necessidades orais, o seio materno se afigura como o objeto capaz de satisfazer tais desejos e necessidades. A criança já teria então capacidade de ter fantasias sobre este objeto, posto que a fantasia para Klein é o representante psíquico da pulsão. Tanto suas pulsões eróticas (instinto de vida), como suas pulsões destrutivas (resultantes da frustração oral ou por uma deflexão do instinto de morte), teriam seus respectivos representantes psíquicos. Para isso, haveria uma “clivagem” do seio materno, num “seio bom” que é introjetado e num “seio mau”, seio frustrador, que é projetado (posição esquizo-paranóide). A criança livrar-se-ia assim da angústia oriunda de seus impulsos destruidores, projetando-os no seio mau, seio frustrador, que se transforma em objeto “persecutório”. O mesmo acontece com a “libido” que é também projetada no seio bom, num “objeto ideal”, a fim de manter com ele uma relação necessária à preservação da vida. Mas a dialética introjeção-projeção não fica aí. O “seio bom”, introjetado corre o risco de ser danificado pelos impulsos destrutivos e por essa razão é também projetado; do mesmo modo que o seio “mau” poderia ser introjetado, a fim de ser devidamente controlado. As coisas se tornam mais complexas quando a criança passa a perceber o seio bom e o seio mau não como dois objetos mas como um objeto inteiro, unificado na figura da mãe (posição depressiva). A criança descobre que tanto suas experiências boas como as suas experiências más não provinham de um “seio bom” ou de um “seio mau”, nem de um “mãe boa” ou de uma “mãe má”, mas de uma mesma pessoa. Passa então a temer haver destruído ou vir a destruir o objeto de seu amor. De seu desespero e seu sentimento de culpa, surge o desejo de restaurar o objeto destruído, o que tenta realizar através do mecanismo de reparação. “O conflito depressivo (Smirnoff) é uma luta constante entre as fantasias destruidoras e os desejos de reparação, ambos conseqüentes aos sentimentos de onipotência da criança. Somente então é capaz de distinguir suas fantasias da realidade. Todavia, a crença na onipotência de seus impulsos destrutivos e de suas reparações mágicas somente diminui, progressivamente, na medida em que a criança se defronta coma realidade da mãe, que sempre aparece após as ausências, independentemente de suas fantasias. No entanto a posição depressiva (Smirnoff) não é jamais completamente elaborada”. Os bons objetos externos na vida do adulto simbolizam e contêm aspectos do bom objeto primitivo e a capacidade de afrontar as angústias posteriores da vida depende em muito do estabelecimento de boas relações objetais na posição depressiva.
9. O TRAUMA PSÍQUICO E A REPRESSÃO DAS PULSÓES INFANTIS
Uma determinada porção das pulsões sexuais e agressivas infantis não se envolve para sexualidade de agressão adulta nem se transforma em processos secundários pré-conscientes distantes dos instintos, mas permanece sem modificações – emparedada (reprimida) no Inconsciente. O estudo das intrusões transferenciais pré-conscientes provindas do Inconsciente revela que as pulsões reprimidas conservam suas qualidades de primitividade e sua intensidade original. Tendo explicado como os processos primários se convertem em processos secundários sob a influência das experiências de frustrações ideais, temos agora que nos voltar para o fato de que uma parte dos processos primários não participa desse desenvolvimento.
Como foi indicado na seção anterior a capacidade que tem o psiquismo infantil de aprender a distinguir entre a realidade e a alucinação (e assim de transformar as alucinações em recordações) ficará bloqueada se o bebê receber satisfação exagerada pi se for exposto a frustrações de intensidade traumática. As frustrações traumáticas das necessidades infantis ocorrem quando o período de espera excede a capacidade de tolerância do psiquismo da criança ou quando as gratificações oferecidas pelo ambiente são imprevisíveis, isto é, quando a alimentação é proporcionada de maneiras contraditórias. Em qualquer dos casos, o psiquismo infantil se afasta da realidade e se prende à gratificação auto-tranquilizadora através da fantasia. Não é provável encontrar-se a verdadeira superindulgência na fase mais primitiva do desenvolvimento psicológico; mas se ocorre, poderá impedir o desenvolvimento (fixação) ao deixar de proporcionar incentivo para que a criança aprenda a captar a realidade. Mais importante ainda é fato de que a superindulgência não é mantida pelo ambiente para sempre que uma mudança repentina na atitude materna (da superindulgência para a frustração) é experimentada como sendo traumática pelo psiquismo despreparado da criança.
As experiências traumáticas, como as experiências de frustração ideal, deixam registros de memória; mas no caso das frustrações traumáticas, as pulsões infantis e as recordações traumáticas associadas ficam emparedadas (repressão primária) sob a influência do desespero e da angústia primitivos. Uma vez que o psiquismo se esforça para evitar a recorrência do estado anterior de angústia e desespero, a repressão será mantida permanentemente em detrimento da diferenciação ulterior dos desejos reprimidos. Assim, a frustração traumática das pulsões produz um quisto psicológico de funcionamento pelo processo primário e de fixação psíquica à satisfação direta dos desejos, por exemplo, através da alucinação. Os conteúdos inconscientes que ficam isolados do ego pré-consciente não estão expostos à influência de novas experiências e são, portanto, incapazes de mudar (aprendizagem); em vez disso, seguindo as leis do processo primário, ocorrem tentativas infindavelmente repetidas de alcançar a satisfação imediata dos desejos através das alucinações ou de outros meios similares. Uma versão de uma experiência infantil que satisfaça simbolicamente um desejo que pode ser repetida interminavelmente pela vida afora, num mesmo sintoma histérico recorrente. Entretanto, uma vez que os impulsos infantis originais, bem como o contexto no qual foram despertados permanecem inconscientes, os desejos nunca será gratificado realisticamente nem poderá ser abandonado.
É muito difícil definir objetivamente o que constitui um trauma infantil: é uma tarefa psicológica que o psiquismo da criança não consegue integrar no sistema pré-consciente mais diferenciado, seja (a) por causa da intensidade da exigência; (b) por causa da imaturidade da organização psicológica; (c) por causa de uma sensibilidade transitória do psiquismo no momento em que a tarefa lhe é imposta; ou (d) por qualquer combinação destes fatores. Assim, o trauma é um conceito econômico em Psicanálise, referindo-se principalmente não ao conteúdo da experiência, mas a sua intensidade. O trauma é a superestimação, seja por supergratificação ou por superfrustração; envolve não somente aquilo que ocorre externamente, mas também a combinação dos acontecimentos externos com a organização psíquica mais interna. Embora haja determinados períodos na infância (mais freqüentemente correspondendo a um novo equilíbrio de forças psicológicas ainda inseguramente estabelecido após um surto de desenvolvimento) durante os quais o psiquismo está especialmente suscetível ao trauma, podemos seguramente dizer que a criança pequena está exposta ao trauma em todos os momentos.
O fator tempo constitui uma consideração particularmente importante e freqüentemente negligenciada no conceito econômico do trama. Não somente a idade da criança e o estágio de desenvolvimento em que se encontra são freqüentemente cruciais na determinação da gravidade de uma tarefa psicológica; o fato de se esperar que a criança realize o feito de concretizar rapidamente uma importante transição do processo primário para o processo secundário e o fato de se permitir que ela adquira as novas funções de maneira fracionada durante um período mais longo de tempo podem ser igualmente decisivos.
As experiências que não foram integradas ao pré-consciente durante a infância são mobilizadas novamente no curso do tratamento psicanalítico; mas agora, nesta reativação terapêutica, o paciente tem tempo de sobra para assimila-las gradualmente. O processo que se segue, durante o qual as recordações traumáticas são encaradas novamente e os desejos infantis são re-experimentados e lentamente abandonados, é chamado “elaboração”. Este processo tem sido comparado com o trabalho que tem o psiquismo durante o luto – a não ser no fato de que a pessoa que está de luto tem que abandonar um objeto amoroso do presente, enquanto que o paciente aprende que tem que se adiantar à esperança de satisfazer os desejos infantis não-modificados e abandonar os objetos do passado.
O inter-relacionamento da teoria e da prática e especialmente a influência das considerações psicoecônomicas mencionadas anteriormente sobre os procedimentos terapêuticos da Psicanálise podem ser mais esclarecidas ao focalizarmos o método da livre associação. A livre associação, geralmente, é descrita em termos negativos como o abandono do controle, a negligência da autocrítica, etc. Entretanto, a livre associação envolve mais do que o afrouxamento; nos pontos cruciais, ela põe em ação a capacidade de tolerar que determinados conteúdos mentais desagradáveis sejam admitidos à consciência, sejam percebidos e experimentados. Portanto, a livre associação exige esforço e perseverança a fim de realizar uma extensão gradual do reino do processo secundário. Mas alcançar uma organização psicológica idealmente acessível e transformado não é o objetivo da Psicanálise. O defeito do equipamento psicológico humano, a que Freud fez referência diversas vezes, não é a existência de uma barreira de repressão nem a dos mecanismos de defesa, mas sim a sua relativa inadequação. Portanto, a análise se esforça para estabelecer o domínio do processo secundário somente nos segmentos do psiquismo nos quais as defesas não deram resultados. Quando o dados de anammese da infância ou a evidência obtida dos sonhos indicam a existência de material reprimido que tem estado efetivamente contido por atividades defensivas socialmente aceitáveis e satisfatórias, não se faz na análise qualquer tentativa de despertar esses conflitos adormecidos. Se uma atitude violentamente hostil em direção a uma figura paterna tiver sido subjugada pela devoção a uma vida de trabalho no sentido de promover justiça social para as pessoas idosas, por exemplo, não há indicação para que se tente derrubar esse sistema ego-sintônico de valores, (a menos que haja hostilidade original) interferindo neste segmento de ajustamento psíquico. Assim, qualquer conteúdo reprimido, para o qual os mecanismos de defesa estejam firmemente estabelecidos, é deixado intacto. Uma atitude perfeccionista, no sentido de descobrir o reprimido, é, no mínimo, sinal de amadorismo; na verdade essa atitude pode estar traindo o fanático que, escondendo de si mesmo algum segredo, precisa estar vasculhando os segredos dos outros o tempo todo.
Termos ousados, difíceis, de iniciados: teoria das relações objetais interiorizadas. Assim foi batizada por Otto F Kernberg. Nitidamente assinalada pela teoria psicanalítica, segundo parecer do próprio criador, seria dotada, porém, de um grande mérito:
“A meu ver, a teoria das relações objetais, já implícita nas obras de Freud, transcende toda escola ou grupo particular e representa um desenvolvimento psicanalítico geral ao qual autor de orientação muito diferente deram uma contribuição significativa”.
Parece-nos, portanto, particularmente útil mantê-la presente sobretudo pela visão sintética e abrangente, que está em condições de oferecer, em todo processo evolutivo (afetivo, cognitivo, de identidade pessoal, de relacionamento com outros, de abertura para as instâncias morais etc.)
Em sentido lato, a teoria das relações objetais, própria da tradição psicanalítica, “apresenta o estudo psicanalítico da natureza e da origem das relações interpessoais, e da natureza e da origem das estruturas intrapsíquicas que derivam das relações interiorizadas do passado com os outros, que se fixam, se modificam e se reativam no contexto das relações interpessoais atuais”.
Já a partir desta primeira definição se deduz, com certa clareza, que o “objeto”, ao qual se refere implicitamente, falando de “relações objetais” seja o “objeto humano”, isto é, o outro ou os outros que encontramos na vida, a partir do começo da própria existência humana (pensemos na mãe, no pai, nos irmãos). O que nos parece peculiar nesta teoria é a sua concentração.
“Na sua interiorização de relações interpessoais, na sua contribuição para desenvolvimento normais e patológicos do Ego e do Superego, e nas influências recíprocas das relações objetais intrapsíquicas e interpessoais”.
Para Kernberg, essa teoria pode ser tomada, mais precisamente, como um esboço conceitual que “salienta a formação de representações diádicas ou bipolares (imagens de si mesmo e do objeto), como reflexos do relacionamento originários bebê-mãe e o seu sucessivo desenvolvimento em relações interpessoais. Internas e externas diádicas, triangulares e múltiplas”.
Em palavras mais simples , trata-se de uma teoria que procura interpretar a estruturação da personalidade em seu impacto com os outros (dimensão interpessoal), a partir do primeiro relacionamento com a figura parenteral materna.
São diversos os aspectos e as conseqüências úteis, derivados dessa teoria. A primeira entre todas, é proporcionar uma compreensão mais clara das formas graves da psicopatologia. Acreditamos que poderia nos oferecer uma ampla e geral compreensão das estruturas sobre as quais concretamente, a pessoa cresce e se desenvolve, ou se bloqueia e regride, em relação a si mesma, aos outros, às situações, às próprias aspirações profissionais e de projeto de vida, aos valores mais elevados, isto é, aos valores morais, religiosos, aos valores típicos da vocação cristã.
Apresentamos, pois, cinco fases ou estágios do desenvolvimento.
1ª Fase – “Autismo”normal- É definida como uma fase primária indiferenciada, corresponde ao primeiro mês de vida, onde o bebê ainda não é capaz de estabelecer um relacionamento com o objeto materno. Um bloqueio no desenvolvimento nesta fase compromete o relacionamento “simbólico” com a mãe. A ultima conseqüência disto: desenvolvimento de uma psicose autista.
2ª Fase – “Simbiose”normal – É definida como a fase das representações primárias, indiferenciadas, do objeto si mesmo. Tem início no segundo mês de vida e vai até o oitavo mês. Nesta fase estabelece um relacionamento do tipo “simbiotico” entre o si-mesmo (o bebê) e o objeto (mãe), entre a própria percepção e a percepção dos outros. Acontece a constelação “objeto-si-mesmo” indiferenciada. Se forma o influxo de experiências e registros que satisfazem o bebê, ou outra imagem de caráter oposto: “a representação má” do objeto-si-mesmo concentrada num tom afetivo primitivo, doloroso, fruto de experiência de integração sentidas como não gratificantes.
“As experiências que ativam a representação do objeto-si-mesmo que satisfazem, ativam também a atenção e motivam o aprendizado; tanto a satisfação como a frustração limitada contribuem para diferenciação gradual dos componentes do si-mesmo dos componentes do objeto na percepção que o bebê tem da interação com a mãe”.
Fixar-se ou regredir nesta fase equivale a obstáculo ou perda da diferenciação dos confins do Ego, fenômeno característico da psicose simbiótica infantil, da esquizofrenia em adultos e das psicoses depressivas.
3ª Fase – Diferenciação entre si-mesmo e o objeto – É definida como a fase da diferenciação das representações do si-mesmo e das representações do objeto. Tem início entre o oitavo mês e completa-se aos três anos. Podemos caracteriza-LAS COMO A FASE DA “separação-individuação”. Durante o seu desenvolvimento estabelece-se o “reconhecimento” da mãe, e isto assinala o momento em que começa a delimitação do si-mesmo e do não-si-mesmo, do si-mesmo e dos objetos externos.
Para que isso ocorra é necessário a diferenciação da imagem do si-mesmo da imagem do objeto dentro da representação positiva do objeto-si-mesmo.
A partir de um ângulo de globalidade, emerge que, no estabelecimento dos limites do Ego e do desenvolvimento geral dos processos cognitivos ainda não se estabelece um confronto, neste ponto de desenvolvimento da personalidade, um si-mesmo integrado ou um conceito integrado, com um Ego estável e relações e relações objetais totais.
A fixação patológica e/ou a regressão nesta fase determina a organização da personalidade limítrofe.
4ª fase – Integração e desenvolvimento ulteriores – É definida como a fase da integração das representações do si-mesmo e do objeto e, ao mesmo tempo, do desenvolvimento de estruturas intra-psiquicas de nível superior derivadas das relações objetais. Está situada entre o terceiro e o quarto ano de vida. Refere-se em termos psicanalíticos à fase edípica.
São dois pontos centrais que caracterizam a própria fisionomia desta fase evolutiva:
O primeiro: é dado pela integração das representações positivas (carregadas de libido) e as negativas (carregado de agressividade) do si-mesmo. O mesmo ocorre em relação às imagens objetais que se transformam gradativamente em representações objetais “totais”. Há uma unificação e harmonização progressiva das imagens diversificadas do Ego (Eu-bom / Eu-mal), realizando a evolução de uma percepção do outro, menos fragmentada, mais completa, “total. Deste complicado processo de integração brota uma nova reestruturação dos mecanismos perceptivos e cognitivos; um aprofundamento e uma potencialização afetiva em sentido geral, uma modulação mais rica dos afetos e o desenvolvimento da capacidade de experimentar sentimentos de culpa num sentido mais especifico”.
O segundo: posto em psicanalíticos, nesta fase o Ego, o Superego e o Id consolidam-se como estruturas intra-psiquicas globais, definidas. Se por um lado temos novas e mais realísticas representações do si-mesmo e do objeto, por outro desenvolvem-se representações de um si-mesmo e de um objeto ideais, antes inexistentes. Há uma integração do Superego como estrutura psíquica independente, uma instancia moral, ideal autônoma.
Quais são as conseqüências no caso de um atraso ou uma regressão nesta fase? A psicopatologia característica da Quarta fase é representada pelas neuroses e pelo nível superior de organização da patologia do caráter, particularmente dos caracteres histéricos, obsessivo-compulsivo depressivo-masoquistas.
5ª Fase - Consolidação do Ego – É definida como a fase da consolidação da integração do Ego e do Superego. Isso favorece ulteriormente a integração e a consolidação da identidade do Ego. “Um si-mesmo integrado, um mundo instável de representações objetais interiorizadas, integradas e um conhecimento realista do si-mesmo reforçam-se reciprocamente. Quanto mais as representações se integram, tanto mais a percepção do si-mesmo numa situação particular corresponde a realidade total das interações do individuo com os outros, tanto maior se torna a capacidade de avaliar realisticamente os outros e de tornar aplasmar as próprias representações interiores com base nesses conceitos realistas.
Este caminho de consolidação das estruturas intra-psiquicas é de interação com os outros só pode fortalecer e tornar a pessoa mais capacitada para enfrentar também “períodos de crise, como no caso de perdas, abandono, insucessos ou solidão”.
Não se deve desconhecer a influencia da reciprocidade que se estabelece entre o conceito de si-mesmo (conjunto das representações do si-mesmo e das relações objetais interiorizadas, ou seja, a imagem que a pessoa tem de si mesma) e a estrutura do caráter (a imagem através da qual uma pessoa se representa a si mesma para outros). “Existe uma relação recíproca entre o conceito do si mesmo e a estrutura do caráter: quanto mais integrado o primeiro e quanto mais coerente e harmoniosa a Segunda, e, vice-versa, tanto mais integrada a estrutura do caráter, tanto maior a correspondência entre o conceito do si mesmo e o comportamento e a personalidade reais da forma como são experimentadas pelos outros”.
11. Uma Comparação da Importância Genética e Dinâmica de Fatores
Narcísicos e de Fatores Instintivos Objetais :
Na retrospectiva que estou fazendo, levantarei agora o problema de saber-se, ao prender nossa atenção ao narcisismo, não podemos estar correndo o risco de menosprezar as forças instintivas objetais na vida psíquica do homem. Temos de perguntar-nos se nossa ênfase na importância genética e dinâmica das vicissitudes da formação e da coesão do self não poderá levar a retirada da ênfase do papel crucial genético e dinâmico representado pelos investimentos instintivos objetais do complexo de Édipo no desenvolvimento normal e anormal.
Há pouco tempo, um colega mais moço que tem acompanhado com interesse meu trabalho sobre o narcisismo estudou as relações entre as gerações em nosso campo e, falando para geração de analistas que está surgindo, sugeriu que, o grupo mais antigo está ansioso, isso não se deve tanto a “que nós tenhamos crescidos, mas a que tenhamos saído diferentes” (Terman, 1972). Pareceu-me que a implicação evidente dessa declaração incisiva era de que a geração mais antiga estava menos preocupada com o perigo do desejo edipiano de matar do que com a privação no território narcísico – e senti-me fortemente inclinado a concordar com essa opinião. Mas comecei a ficar preocupado. Serei eu o flautista de Hamlin que conduz jovens para fora do terreno firme dos aspectos libidinais-objetais do complexo de Édipo? Será que os fatores pré-edípicos e narcísicos não serão precursores e filigramas? E será que a preocupação com esses fatores não se tornará um foco para as velhas resistências contra a plena aceitação da realidade emocional das paixões do drama edipiano? Por trás do medo pré-consciente de que a geração mais nova seja “diferente”, não estará o medo mais profundo e mais poderoso do desejo de matar, sendo a preocupação narcísica apenas um disfarce para encobri-lo?
Não tentarei discutir essa questão diretamente. Suponho que isso não será respondido na forma como o vemos agora, mas que algum dia será superado por uma reformulação do inter-relacionamento dos fatores causais no início da vida (acho que o trabalho do Gedo e Goldberg [1973], por exemplo, constitui importante passo nessa direção). Nesse meio tempo, devemos, sem preconceitos, estudar todos os dados analíticos – edípicos e pré-edípicos, instintivos-objetais e narcísicos – e determinar sua importância genética e evolutiva.
Vamos portanto evitar estabelecer uma escolha entre posições teóricas opostas em relação à questão da importância genética das experiência da criança pequena no território narcísico e no território instintivo objetal. Entretanto, um estudo de ambos os assuntos há de esclarecer a influência relativa que esses dois conjuntos de experiências primitivas exercem na infância mais tardia e na vida adulta. O primeiro tópico refere-se à importância da fase fundamental de desenvolvimento na qual o núcleo de um self coeso se cristaliza; o segundo trata do interjogo da patologia do self (patologia narcísica) com a patologia do conflito estrutural (patologia edipiana).
12. FASE ORAL E O DESMAME:
Como se pode depreender das contribuições de Spitz e Klein e como já o enfatizara Freud ao caracterizar a fase oral da libido, é através da boca que o menor experimenta a maior parte de seu prazer instintivo. Tal prazer pouco tem a ver com a satisfação nutritiva ou com o alívio da fome. Estas últimas têm sua finalidade biológica própria. O que Freud refere aqui é ao prazer resultante da sucção; prazer que para ele é de índole sexual e difere inteiramente do primeiro. De fato a sucção é observada depois de a criança estar saciada e tanto mais é intensa quanto menor tenha sido o esforço para obter o leite (maior orifício do mamilo ou do bico da mamadeira). Como prova de que a sucção é de índole sexual, Freud evoca que as sensações buco-labiais do beijo desencadeam sensações genitais e refere às pervesões sexuais do adulto onde a boca é utilizada no ato sexual. Se as sensações buco-labiais da criança não produzem uma resposta de aparelho genital, é porque esse não está ainda suficientemente desenvolvido. E se o adulto perverso utiliza a boca no ato sexual é porque sofreu uma regressão a formas de satisfação infantis onde o seio materno é substituido pelo órgão sexual do parceiro. O predomínio destas sensações hedônicas (sexuais ou não) durante o período oral nos mostra a importância da maneira como se processa o desmame nos fins do 1º ano de vida. Quando o mesmo se processa bruscamente podem-se observar sinais gerais de ansiedade como insônia, prantos, crises de raiva ou enfermidades leves, como vômitos, diarréias, etc. Isto persiste até que a criança encontre novos canais para a expressão de seus instintos. Fortes barreiras seriam então levantadas, no sentido de impedir a expressão daqueles desejos ligados à fase oral. Se, mais adiante, essas barreiras desaparecem, observa-se um quadro de perversão sexual oral; se são bastantes fortes e os desejos orais, muito intensos (fixação ou regressão), pugnam por suplantá-la, observam-se então manifestações orais expressas em termos negativos como anorexia, náuseas, vômitos, etc.
Além dessas conseqüências “locais”, ligadas diretamente ao físico, outras mais gerais poderiam ser observadas. Um inadequado provimento de gratificações orais, qualquer que tenha sido a sua causa, tenderia à formação de um padrão de comportamento segundo o qual o indivíduo se sente sempre insatisfeito, menosprezado, injustiçado, mesmo quando as circunstâncias sejam favoráveis. Por outro lado, um suprimento lácteo abundante, ligado a outras gratificações orais, levariam o indivíduo a se sentir-se tranqüilo e confiante no futuro, mesmo quando não sejam muito favoráveis as circunstâncias. Como diz Abraham, “se não possui mais que cinco centavos hoje, e não tem maiores perspectivas de conseguir mais amanhã, gastará calmamente estes cincos centavos, certo de que alguma coisa ocorrerá para que possa satisfazer seu próximo desejo”.
13.A FASE ANAL-SÁDICA E OS INSTINTOS PARCIAIS:
A fase anal-sádica se estende dos fins do primeiro ano até os 2 anos e meio mais ou menos. Nela, a criança experimenta a maior parte de seu prazer instintivo através de sua função excretora e de seu comportamento cruel. Também aqui não se trata da sensação de alívio e bem-estar experimentados após a defecação, mas das excitações produzidas pela passagem dos excrementos pela empola ano-retal. Para Freud tais sensações são também de índole sexual. Como prova dessa afirmação evoca o fato de as excitações anais produzirem sensações genitais e se refere ao coito anal, pervesão observada em todos os povos, como regressão da libido a essa fase do desenvolvimento psicossexual. Assim sendo, é de fundamental importância a maneira como esses prazeres instintivos são manipulados pela educação. Como diz English, a criança não tem voz ativa no processo de desmame. Adapta-se ou acomoda-se à frustração sem poder impedi-la. Aqui não; a criança deve, ela mesma, conduzir-se em consonância com os desejos dos pais, abandonando a satisfação instintiva. Mas esse passo não é fácil. Pode durar de alguns meses a um ou dois anos. De início, o controle somente se realiza com a constante vigilância da mãe. Mais tarde, pode manter o controle se ela está em casa. Em seguida, mantê-lo-á mesmo que não o esteja, contanto que não se afaste muito tempo. Posteriormente, converte as aspirações maternas em parte de sua própria personalidade. Mesmo assim, se a criança é separada de sua mãe pode voltar aos velhos esquemas e deixar de se controlar-se. Numa etapa posterior as ordens incorporadas exercem sua influência sem ter conta a presença ou ausência da mãe. É por amor que a criança renuncia o seu prazer instintivo. Teme perder o amor materno se não o faz. Enquanto se adapta à educação higiênica o menor aceita a atitude de sua mãe com respeito aos seus excrementos passando a repudiá-los. Se sua mãe o aborrece, pode vingar-se dela defecando em lugar inapropriado. E é muito pouco o que a mãe pode fazer para controlar essa situação. O menor experimenta, então, a sensação de que nesse ponto é mais poderoso do que a mãe; de que pode dominá-la com suas atividades anais. É assim que o instinto de agressão (domínio sobre o objeto) se conecta com as funções anais, conferindo às mesmas um valor de instrumento daninho e destrutivo.
Podemos assim deduzir a importância do treinamento esfincteriano na determinação de certos padrões de comportamento:
1. Confere-se à educação higiênica um cuidado excessivo. A criança participa dessa atitude e desenvolve um idêntica preocupação com suas funções intestinais. O resultado é uma dificuldade em desprender-se das atenções e gratificações usufruídas com essa conduta e uma conseqüente fixação a esta etapa do desenvolvimento. Algumas afecções psicossomáticas, como diarréia, encoprese, enurese, etc. são assim determinadas;
2. A educação higiênica é exageradamente severa e não leva em consideração que certos menores têm, constitucionalmente, uma maior necessidade de gratificações anais. Nestes casos a criança assimila a atitude da mãe, adquirindo rapidamente o controle esfincteriano e ao mesmo tempo, torna-se exageradamente limpa e escrupulosa. Assume um comportamento obsessivo de limpeza e de ordem não só em relação às fezes ou seus “elementos substitutos”, mas a todos os setores de sua vida pessoal que passam a ser controlados com a mesma severidade usada em sua educação para com o controle esfincteriano. Certas manifestações neuróticas de tipo obsessivo e certos tipos de personalidades compulsiva poderiam ser determinadas desta forma.
3. Quando a educação é muito exigente e a criança não tem condições de atender às suas expectativas, o controle não é conseguido. O prazer instintivo, por sua vez, não é abandonado e o menor continua a usufruí-lo apesar dos castigos aplicados. Tais castigos lhe aliviam o sentimento de culpa em não atender os desígnos maternos e lhe permitem assim continuar se sujando. Este dinamismo explicaria determinado padrão de comportamento mediante o qual o indivíduo somente se permite alguma satisfação, mediante a permissão outorgada por alguma forma de castigo.
4. A educação é ainda severa, mas a criança não se lhe submete totalmente. Mantém-se limpa, mas anula a intenção materna, não depositando os seus excrementos no lugar adequado. Retém as fezes e somente as expele quando bem o deseja. A constipação que sobrevém se traduz, psicologicamente, como um sentido de poder. O menor não se sente obrigado a desistir de nada do que deseje; torna-se do contra; mata na unha, isto é, sempre logra seus fins, por meio de uma resistência passiva.
14.OS INSTINTOS PARCIAIS:
São muitos conhecidos os prazeres instintivos que as crianças entre 3 e 4 anos experimentam em espiar objetos sexuais (espionagem); em exibir as genitálias (exibicionismo); em comporta-se de modo cruel (sadismo) ou de modo a ser castigado ou maltratado pelo objeto de amor (masoquismo). Por esta razão Freud considera a criança nessa idade como um “perverso polimorfo.
Uma indevida manipulação destes “instintos parciais” é muito mais freqüente do que se costuma pensar, no que pese a tão propalada, distorcida, e por vezes caluniada “educação moderna”. Muitos sintomas tais como a timidez, a incapacidade de competir num plano mais agressivo, a pudicícia exagerada, o comportamento turbulento e provocador, etc. parecem encontrar as suas raízes na conduta de certos pais que não querem, não sabem ou não podem conduzir-se de modo mais natural e tranqüilo frente a esses impulsos que são de um modo geral de caráter transitório. Muitas vezes eles estão a serviço de mecanismos de defesa de importância fundamental para o bem-estar emocional da criança. É o que ocorre – para não citar mais do que um exemplo – com as meninas que de um modo geral passam por um período de exibicionismo, durante o qual costumam levantar as saias e querem mostrar-se nuas para que todos as admirem. É como se o fato de ser admirada lhe permitisse identificar-se aos que a olham. Como diz Dolto, “se a olham sem surpresa, é porque existe alguma coisa para ver – o sexo de um menino-. Se ela exibe “nada”, essa é a maneira de negar que ela não tem nada”.
15.A FASE FÁLICA , A MASTURBAÇÃO E A CURIOSIDADE SEXUAL:
A fase fálica:
Após o controle esfincteriano a criança passa a interessar-se pelos genitais e todas as funções a ele associadas. É a fase fálica do desenvolvimento libidinal. Como descreve Freud, “levando em consideração a situação anatômica da região genital, as excreções que aí se produzem, os cuidados higiênicos aos quais é submetida a criança por ocasião do asseio, impossível pensar que as sensações de prazer que (tanto no menino como na menina) esta região do corpo é capaz de produzir, passem despercebida e não despertem a necessidade de repetição”. A masturbação seria assim a conseqüência natural das satisfações e do interesse de que é revestido o “falo” nessa fase do desenvolvimento.
Masturbação:
Embora se fale num período de masturbação durante o aleitamento, é a masturbação observada nesta fase e aquela ocorrida na puberdade as que se revestem de um maior interesse clínico e evolutivo. Também aqui, como vimos nos instintos parciais, a criança não encontra por parte do adulto uma atitude de compreensão. É curioso notar como em nossa cultura existe uma tolerância bem maior para a manifestação das necessidades orais ou mesmo anais do que para a manipulação dos genitais. Se a criança é do sexo feminino, a repressão é ainda mais energética ou violenta. Muito embora a ignorância por parte dos pais, da importância de tais manipulações na genitalização da libido, seja um dos fatores determinantes de seu comportamento repressivo, a principal causa de tal comportamento reside sobretudo em seus próprios problemas sexuais que os levam a associar pecado e a vergonha. As conseqüências desse comportamento repressivo são fáceis de se prever, portanto toda a vida psíquica da criança, seus interesses, seus jogos, suas relações de objeto vão se centralizar nesta sexualidade genital.
Curiosidade sexual:
Inclusive a curiosidade da criança dessa idade gira em torno de temas sexuais, tais como a diferença dos sexos, a fecundação, a gravidez, o parto, a relação sexual entre os pais, etc. De modo geral a criança interpreta todos esses fenômenos à sua maneira e constrói suas próprias “teorias” de acordo com suas viv~encias libidinais. É assim que a diferença dos sexos é elaborada sob a primazia do falo (somente o órgão sexual masculino teria importância), a concepção se faria pela boca, através do beijo: o parto de efetuaria pelo ânus, a relação sexual entre os pais se processaria baseada numa concepção sádica do coito. Tudo isso, como diz Smirnoff, levanta o problema da educação sexual. Muito se tem escrito sobre a forma como deve procedê-la. Mas o que parece mais importante é que a informação dada pelos pais venha ajudar à criança a que tome consciência daquilo que já conhece de modo intuitivo. Desse modo não se trata de revelar algo sigiloso e inédito para a criança, de modo puramente intelectual e esquemático, minucioso e completo. A criança por certo não assimilaria esse tipo de informação. Ainda mais importante no modo como proceder à educação sexual é a atitude honesta e sincera dos pais quanto ao prazer sexual que geralmente é escotomizado nas informações como se fosse algo ilícito e valioso como o prazer de alimentar-se, eu a criança deve saber, a fim de evitar possíveis sentimentos de culpa; ou, mais precisamente, deve ouvir a fim de que tais sentimentos de culpa sejam aliviados. Uma educação sexual insincera ou mal conduzida poderia acarretar inibições posteriores não só na área sexual mas em outros setores da atividade pessoal como o social e o escolar.
O complexo de Édipo:
Ao abordarmos as “teorias sexuais da criança”, afirmamos que as “diferenças entre os sexos” se processam sob a primazia do falo. De fato, somente o órgão sexual masculino parece ter importância. O menino observando que a menina não possui um pênis como o seu, tenta “negar” essa diferença a princípio, mas logo depois imagina que ela tinha um órgão semelhante, do qual foi despojada. Teme que o mesmo lhe suceda como castigo pelos seus desejos de castrar o pai. A “angústia de castração” leva-o a reprimir os seus anseios de posse exclusiva da mãe e a livrar-se dos sentimentos de rivalidade e ciúmes endereçados ao pai, procurando identificar-se com ele. Dessa maneira tem lugar o aparecimento do superego que para Freud constitui-se no herdeiro do complexo de édipo. A imagem do pai projetado, dependendo do investimento sádico que lhe confere o menor, pode ser mais severa, intransigente e repressiva do que a sua imagem real. Daí por diante, a presença de um adulto que proíbe e interdita tem menos eficiência do que o sentimento de culpa que tem suporte a imagem paterna interiorizada. Este fato reveste-se de grande importância no que tange à formação de esquemas de comportamentos inadequados, ou aparecimento de sintomas e síndromes patólogicas.
Enquanto nos meninos a angústia de castração se observa em plena fase de dissolução do complexo de édipo, nas meninas a referida angústia as introduz no mencionado complexo. Consciente de sua inferioridade orgânica, a menina passa a desejar ter um filho, e, somente então, renuncia à rivalidade coma mãe e procura identificar-se com ela. Essa identificação pode oferecer dificuldades. Ou porque a mente, não se desprendendo da inveja do pênis, é incapaz de afrontar o conflito edipiano e de investir libidinalmente a zona erógena vaginal, ou porque o estilo de vida da mãe não lhe agrada, recusando-se, desse modo, identificar-se a uma imagem materna desvalorizada.
16.O PERÍODO DE LATÊNCIA:
A dissolução do complexo de édipo introduz a criança numa outra etapa do desenvolvimento denominada “período de latência”. As pulsões sexuais são de tal modo transformadas, que se torna possível uma livre disponibilidade de energia pulsional que pode agora ser investida noutros objetos e orientada para outros fins. Segundo Freud, estes desvios das forças pulsionais de seus objetos sexuais e esta nova orientação é um dos importantes fatores do desenvolvimento da cultura. O fenômeno foi denominado “sublimação” e todos os autores se referem à sua importância na integração social do indivíduo, na formação das normas morais e na criatividade artística e pesquisa científica. Através da sublimação as pulsões primitivas são transformadas; a necessidade de possuir o objeto primário de amor é substituída pela aquisição de conhecimentos; a curiosidade sexual, convertida em interesse intelectual e a competição edipiana, em competições sociais e culturais. Mas se o complexo de édipo não tem uma solução satisfatória, permanecendo ativo e o indivíduo ainda luta contra suas pulsões primitivas, muitos transtornos podem surgir: dificuldades em assumir o papel concernente so próprio sexo (menino efeminado: menina virilóide); inibições da conduta social pela persistência da rivalidade frente ao progenitor do mesmo sexo; distúrbios da escolaridade por falta de interesse pelo estudo resultante da impossibilidade de investimento libidinal dos processos cognitivos, o aparecimento de sintomas ou defesas inadequadas como formação reativa. Mas de um modo geral, comparado com as fases anteriores e com a puberdade que lhe sucede, o período da latência pode ser considerado – como o faz Mira y Lopes - um “oásis de paz afetiva” ao longo do processo evolutivo.
17. ADOLESCÊNCIA E O APARECIMENTO DE NOVAS RELAÇÕES OBJETAIS:
Y Conceito:
Poderíamos defenir a adolescência, de um modo genérico, como o período da vida que sucede a infância e se estende até a idade adulta. Seu início é marcado pela puberdade, mas a aparição desse fenômeno biológico não é mais que o começo de um processo contínuo e mais geral (sobre o duplo plano somático e psíquico) que vai prosseguir, durante vários anos, até a completa formação do adulto. Além de focalizar o duplo aspecto somático e psíquico da adolescência, esta definição tem a vantagem de não estipular limites precisos para este período da vida, considerando-o como uma fase de adaptação. E esta adaptação será tanto mais longa e difícil, quanto mais tumultuados hajam sido os primeiros estágios do desenvolvimento.
Y O “estirão” prepuberal:
Observam-se, nessa fase de crescimento físico acelerado, de par com uma maior vitalidade organísmica, uma maior consciência de força, de autoconfiança e combatividade. Pois bem, com a “parada” desse crescimento, a mente de nosso jovem passa a ser ocupada por vivências, sensações e sentimentos bem diferentes daqueles supramencionados, como lassidão, debilidade, depressão, irritabilidade. Essa transformação vivencial tem uma forte repercussão na conduta do jovem que se torna desanimado, inquieto, incapaz de atender às exigências que lhe são impostas, isolado de seus companheiros. As causas dessa transformação parecem ser fundamentalmente físicas. Além de todas modificações experimentadas pelo seus sistemas músculo-esquelético e visceral, um fator novo entra em cena – o aparecimento de hormônios, até então estranhos ao seu organismo. Tudo isso produz no jovem uma modificação radical de sua “cenestesia”(sentimento, difuso e permanente que temos do estado de nosso próprio organismo). Mas apesar de difuso, apesar de vago, apesar de não levar à consciência dados nítidos e precisos como as sensações externas, a cenestesia, repercute profundamente no psíquismo do jovem. Com a modificação de sua fórmula cenestésica, o jovem adolescente experimenta, como o dissemos, intensa transformação nos seus sentimentos existenciais. Com momentânea satisfação, uma vezes; outras com a vivência do estranho e do inédito, sua inquietude e seu desconcerto, têm assim uma origem biólogica. E é sobretudo aquela vivência do estranho e do inédito que o intranqüiliza e angustia. Os novos estados de sua alma não encontram equivalentes no seu passado; para a solução dos novos problemas, de nada valem os velhos hábitos tão laboriosamente formados no decurso da infância; para todas essas vivências só possui palavras inadequadas, tal o grau de subjectivismo de que estão elas impregnadas. Na vigência desse drama inexprimível, sentindo somente incompreensão da parte dos que o rodeiam, o jovem se recolhe, se retraí, se abate.
Os psicanalistas dão uma importância especial às modificações corporais observadas no estirão puberal. O jovem assiste perplexo e angustiado a esse processo invasor de crescimento físico. Tudo isso o obriga a buscar uma nova identidade e, o que é igualmente importante, a elaborar o luto do corpo infantil, a perda da ambigüidade sexual e dos pais da infância. Para Aberastury, todas essas transformações do corpo podem ser observadas através de desenhos realizados pelo jovem desta idade, o que confere a tais produções um grande valor diagnóstico. “São tão grandes as ansiedades persecutórias, confusionais e depressivas que deve enfrentar o puber diante desta nova situação que o mesmo se refugia, regressivamente, como numa trégua defensiva”.
Y As novas relações objetais:
A sós consigo mesmo, sentindo o peso de sua inaudita solidão, o jovem não tarda em procurar caminhos que o levem de volta para os homens que o conduzam à aquisição de uma nova identidade. Esses caminhos são vários – atividade de grupo; atividade religiosa; atividade artística; atividades esportivas, etc. Mas um desses caminhos ele encontra nas “experiências amorosas”. Muito se tem escrito sobre essas experiências na idade juvenil. Focalizando o assunto de um modo puramente descritivo (baseando-se nos diários de seus pacientes), agrada-nos sobremaneira, a forma como Charlote Bülher enfeixa em 4 tipos principais as várias modalidades de relações amorosas observadas nesse estágio da vida – “a paixão, o flirt, os amores juvenis e as experiências sexuais”.
BIBLIOGRAFIA
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GARCIA ROZA, LUIZ ALFREDO – Freud e o Inconsciente, Zahar – 1984.
RAVAGLIOLI, ALESSANDRO M. – Paulinas-1999.
Muito obrigado! Foi esclarecedor.
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